Canção do Pescador.
Ele foi um homem que procurava ser íntegro e as pessoas da época o incomodavam. Por uma série de conflitos chegou a perder seu cargo público, devido à mentiras e perseguições. Como era incompreendido pelos padrões da época, foi caluniado secretamente, e sem a oportunidade de se defender, caiu no exílio e foi morar em um local ermo, isolado.
Cansado das pessoas, Qu Yuan resolveu por fim à sua vida e começou lentamente a entrar no Rio Calang.
- Estou farto deste mundo corrupto e complicado! As pessoas não são claras, falam uma coisa e agem de outra maneira. A maioria são pessoas corruptas, nada confiáveis. Os poucos bons ou são inaccessíveis ou incompreensíveis. As pessoas estão todas bêbadas e apenas eu permaneço sóbrio. Me encontro numa terrível solidão onde ninguém me compreende, me valoriza ou vê quem eu sou. Não suporto mais viver a vida nessa terrível frustração!
O pescador olhou com simpatia para ele. Começou a entoar uma canção, acompanhada pelas batidas do remo e sumiu na neblina sem olhar para trás:
“- Quando as águas do Rio Calang estão límpidas
aproveito e lavo meu gorro...
Quando as águas do Rio Calang estão turvas
Aproveito e tiro a lama dos meus pés...”
....
E como tenho me sentido Qu Yuan neste ultimo Ano!
Vejo o Rio lamacento, sujo, amarelo de limo, sedimentoso, escondendo mistérios ruins e bons... na maioria ruins... sem a possibilidade de ultrapassar esse lamaçal das margens... até sem energia de começar.... poucos momentos de transparência não se sustentam, e estranhamente, se perdem na lama rodopiante, drenando minha confiança no Rio...
Já vi o Rio Calang transparente, límpido, onde podia lavar meus pertences mais preciosos... mergulhar, lavar o rosto e a alma...
Sei que as águas precisam ser um pouco turvas para terem peixes, mas nesse excesso, a vida desaparece, foge, murcha.
Sim... são tempos de águas turvas, talvez seja a melhor hora de olhar pra baixo e lavar o que ainda tenho de lama nos pés.